Em 2021, foi promulgada a Lei das Sociedades Anônimas do Futebol (Lei das SAF) na jurisdição brasileira, com informações jurídicas de como profissionalizar e estruturar clubes de futebol dentro de padrões de Governança Corporativa e com regras específicas de proteção aos investidores. Os clubes que aderirem a isso podem, futuramente, obter registro na Comissão de Valores Mobiliário (CVM), como companhias abertas, ou acessar o mercado de capitais.
Uma das medidas tomadas pela CVM, de acordo com a Lei das SAF, foi feita no dia 21/08/2023, com a publicação do Parecer de Orientação 41. Nesse parecer estão explicadas a perspectiva da CVM sobre o assunto, além de esclarecer possíveis divergências com a Lei das Sociedades por Ações e as próprias regulamentações da autarquia. Além disso, orienta especificamente sobre as SAFs no mercado de capitais.
Constituição do capital social da SAF
Existem 3 hipóteses para a constituição de uma SAF, que incluem:
- Transformar um clube ou pessoa jurídica em SAF;
- Cisão do futebol do clube ou pessoa jurídica e transferência de seu patrimônio – que podem ser, mas não exclusivamente: nome, marca, dísticos, símbolos, propriedades, patrimônio , ativos imobilizados e mobilizados (incluindo registros, licenças, direitos desportivos sobre atletas e sua repercussão econômica);
- Iniciativa da pessoa natural, jurídica ou fundo de investimento
Para formar o capital de uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF), seja em qualquer uma de suas modalidades, é necessário seguir as diretrizes estabelecidas pela Lei das SAFs. Ela estipula que as contribuições podem ser feitas em dinheiro ou por meio de bens que possam ser avaliados financeiramente, sejam eles tangíveis ou intangíveis. Para garantir uma abordagem rigorosa e reforçar os procedimentos de avaliação desses bens, é altamente recomendável a contratação de três peritos ou uma empresa especializada. Esses peritos devem estar registrados como auditores independentes pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). É importante destacar que essa avaliação representa um componente crucial na tomada de decisão de investimento e não substitui a função dos auditores independentes que revisam as demonstrações financeiras da empresa.
Ações de Emissão da SAF
O registro na CVM como SAF deverá contar com apenas uma classe específica de ação ordinária – Classe A -, que será subscrita exclusivamente pelo clube ou pessoa jurídica constituinte da SAF. A criação de outra classe de ação, que não classe A, será permitida, desde que exista a intenção de emitir ações ordinárias para subscrição de outro tipo de subscritor, sem voto plural.
As ações preferenciais sem direito a voto não devem ultrapassar 50% das ações totais emitidas pela SAF e a CVM está retirada da obrigação de supervisionar operações privadas com ações. Caso contrário, a Autarquia entenderá que as ações Classe A não podem ser alienadas a terceiros, ou seja, não será permitida a negociação das mesmas – o entendimento é de que as ações de Classe A foram criadas para que o clube/pessoa jurídica exerça os direitos dessa condição e, para que exista um negócio de venda e compra de ação por essas pessoas, a Classe A deverá ser convertida em ação preferencial ou ordinária comum.
O Parecer ressalta, ainda, que a CVM poderá analisar o conteúdo dos direitos previstos no Estatuto Social da SAF antes da oferta pública ou à concessão de registro do emissor. Verificando-se violação às legislações ou aos regulamentos do mercado de capitais, a CVM pode exigir reforma estatutária para a concessão do registro.
Governança Corporativa
Fica proibida a participação, direta ou indireta, de um acionista controlador de uma SAF, em outra SAF. A orientação do Parecer é de que a SAF com valores mobiliários em negociação adote medidas para cumprimento dessa exigência. Alguns exemplos para isso, citados no próprio documento, são: instituir sistemas internos de acompanhamento – com a inclusão a exigência de declarações de conformidade dos acionistas.
Foi ressaltada a importância às regras sobre requisitos e impedimentos que podem ser aplicados na eleição ou exercício da função do Conselho Fiscal. Além disso, a constituição do Conselho de Administração e Fiscal são obrigatórios e, seus funcionamentos, permanentes.
Nesse quesito, as SAF que se organizam como companhias abertas devem:
- Vetar a acumulação de cargos de Presidente do Conselho de Administração e Diretor Presidente – com exceção para companhias de menor porte;
- Tornar obrigatória a participação de membros independentes no Conselho de Administração.
Semelhante à legislação das Sociedades Anônimas (SAs), a pessoa jurídica que obtiver participação igual ou superior a 5% do capital social da SAF, se distinção entre as espécies de ações, deverá informar à mesma, assim como à entidade que administra o clube nacionalmente, admitindo as seguintes informações:
- Nome;
- Qualificação;
- Endereço;
- Dados de contato da pessoa natural que exerça o controle ou seja a beneficiária final (sob pena de suspensão de direitos políticos e retenção de dividendos ou JPC);
Deverão ser prestadas informações no Formulário de Referência, atualizando os dados anualmente e/ou sempre que a companhia tiver mudanças. O arquivamento de Comunicados ao Mercado ou Fatos Relevantes, sobre temas que surgirem, também são obrigações.
Nesse quesito, a Autarquia reconhece que é um desafio definir quais informações devem ser divulgadas ao mercado. Apesar de estar sujeita à Resolução nº 44 da CVM, o futebol é acompanhado por jornalistas, torcedores, influencers e agentes que publicam quantidade significativa de informações. Assim, a CVM não possui expectativas de que a SAF e seus diretores publiquem comunicados aos investidores sobre notícias ou boatos no contexto esportivo – entretanto, não deixará de exigir que essas informações sejam analisadas dentro do que prevê o art. 2 da Resolução nº 44 da CVM.
Mercado de Capitais
É mostrado, nesse item, diversos instrumentos no mercado de capitais para captação de recursos para reestruturação de dívidas e financiamento de investimentos da indústria futebolística. Como exemplos, foram citadas:
- A oferta pública inicial de ações (IPO) – onde as SAF estarão sujeitas às Resoluções CVM nº 80 e 160;
- Debêntures-fut, uma emissão particular de debêntures para as sociedades de futebol, que deverão ter os recursos alocados para o desenvolvimento de atividades ou pagamento de dívidas;
- Crowdfunding de investimento;
- Securitização e;
- Fundos de investimento.
Além disso, o Parecer reforça que as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários emitidos pela SAF possuem um atributo único: ao mesmo tempo em que reúne o interesse de investidores de diferentes perfis e níveis de conhecimento, também podem interessar a torcedores que, sendo influenciados por seu time, afastem-se da “racionalidade da tomada de decisão de investimento”.
Para isso, a CVM alerta que as SAF e os demais participantes das ofertas públicas dediquem atenção aos fatores de risco dessas ofertas, utilizando, por exemplo, uma linguagem mais objetiva e concisa nos documentos da oferta. Isso é recomendado, também, para as divulgações periódicas e eventuais.
Fan tokens e apostas esportivas
A emissão de fan tokens por clubes de futebol no mundo todo tem sido cada vez mais comum. A CVM entende que essa emissão não se enquadra como um valor mobiliário, servindo apenas como marketing de produtos e benefícios – não relacionados a resultados econômicos – e engajamento entre ou torcedores. Dessa forma, os fan tokens estão enquadrados como utility tokens, estando fora do regulamento da CVM e, portanto, não podem ser realizadas ofertas públicas.
Com relação às apostas esportivas, a Autarquia reforça que estas não são investimentos ou apresentam características que as enquadrem como valores mobiliários – tampouco as empresas responsáveis são caracterizadas como emissores de valores mobiliários.
Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE).
Na Lei da SAF também está instituído o Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE), que consiste em uma parceria obrigatória com uma instituição pública de ensino, para a promoção de medidas educacionais por meio do futebol.
Não há parâmetros para medir o montante que a SAF destinará ao convênio, mas orienta-se que utilizem o mercado de capitais para zelar pela transparência ao mercado em torno desses compromissos. Assim, é importante que haja uma divulgação frequente, via Fato Relevante ou Comunicado ao Mercado, da entidade beneficiária, motivos para a escolha dessa entidade, prazo da parceria, o volume de recursos destinados, prazo e datas projetadas de desembolso.
Uma segunda orientação é de que as SAF companhias abertas estipulem montantes máximos por ano a serem destinados na parceria, além de reportarem os valores utilizados e acompanharem o uso dos recursos e os resultados sociais realizados. O formulário de referência e relatório de administração são os documentos sugeridos para a veiculação dessas informações.
Uma terceira orientação dada pela CVM é de que os instrumentos do mercado de capitais podem servir para o financiamento dos PDEs – a Autarquia reconhecendo que podem ser despedidos eventuais aportes como investimento nesse quesito ESG.
Evolução e aprimoramento do Mercado
A CVM reconhece que a Lei das SAF se insere em um contexto caracterizado por novas demandas e produtos ainda não completamente explorados. Nesse sentido, a CVM assume o compromisso de realizar estudos abrangentes, não apenas no âmbito nacional, mas também considerando experiências de outros mercados. O objetivo desses estudos é aprofundar a compreensão das implicações e desafios associados à implementação dessa legislação inovadora.
Caso se revele necessário, a CVM está disposta a realizar ajustes nas regulamentações inicialmente estabelecidas, demonstrando sua flexibilidade e capacidade de adaptação para garantir um ambiente regulatório eficiente e alinhado às necessidades emergentes do mercado financeiro e de capitais. Essa abordagem demonstra o compromisso da CVM em promover um ambiente regulatório sólido e dinâmico, capaz de fomentar o crescimento e a inovação do mercado.
Recomendamos a leitura na íntegra do Parecer de Orientação CVM 41.
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